Tuesday, October 01, 2013

Uma escola de oração


 Faleceu Ricardo Tonelli, um dos grande pensadores da pastoral juvenil, sacerdote salesiano!
Tive o máximo privilégio de ser seu aluno e aprender com ele este gosto do anuncio do Evangelho aos jovens.Uma das frases basilares de todo o seu pensamento acerca da pastoral juvenil era "Eu vim para que tenham vida... e a tenham em abundância". Ainda me lembro como se fosse hoje!
Não esqueço o entusiasmo com que falava dos jovens e a preocupação pelo anuncio da Palavra... sobretudo a sua confiança no método da narração aplicado aos Evangelhos!Por isso decidi partilhar convosco uma das suas narrações do seu livro "Trenta storie" (ELLEDICI, 1999) e que já usei algumas vezes em actividades com jovens.

É uma narração inspirada no texto de Lucas dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35).
Este é o meu simples e humilde tributo a um tão grande mentor da Pastoral Juvenil!





Estavam cheios de expectativas. Tinham aceite o convite de Jesus com tanto entusiasmo. Tinham deixado tudo para segui-lo, fascinados que estavam pela sua pessoa e pela sua causa.

Agora parece que tudo acabou. No pior dos modos.
Os inimigos tinham capturado Jesus. Tinham-no submetido a um julgamento irrisório. Condenaram-no como um malfeitor, àquele que tinha feito somente bem aos que encontrava. E depois de o terem torturado, mataram-no. Tudo acabou deste modo. Jesus tinha prometido que venceria até a morte. Tinha restituído a vida aos outros. Porém com a sua... nada disso aconteceu. Jesus tinha desaparecido do olhar e do coração dos seus amigos. Os inimigos tinham vencido. Tudo voltaria ao princípio.
Paciência... foi um sonho bonito, que acabou muito depressa e de uma forma trágica.
Agora não havia mais nada a fazer. Era necessário voltar para casa, com amargura da saudade e um pouco envergonhados. Era necessário retomar o trabalho, abandonado há alguns meses.
Voltar... ao que era antes: como se nada tivesse acontecido, suportando o sorriso gozão dos amigos, que não tinham percebido aquela estranha vontade de seguir aquele tipo de Nazaré, que fazia um bom número de inimigos com as suas ideias.
Muitos dos discípulos já tinham regressado. Agora era a sua vez. Muito serenamente, decidiram voltar a Emaús, à sua casa. Como se nada tivesse acontecido.
Caminhavam trocando entre si palavra amargas. Não tinham outras: as últimas tinham sido gastas na triste saudação aos amigos que ficaram em Jerusalém.
De repente, aproxima-se um peregrino, saído do nada. Vinha, tal como eles, de Jerusalém. Mas ainda não se tinham apercebido da sua presença.
“Boa noite. Salve. Para onde ides?”. “Vimos de Jerusalém e voltamos para casa, em Emaús. Já falta pouco, sorte a nossa”.
Insiste o peregrino: “Posso juntar-me a vós? Eu vou para esses lados. A estrada é longa e, nos tempos que correm, também é perigosa. Posso fazer-vos companhia?”.
“Que cara triste que tendes. Parece que saíram de um funeral. Estarei enganado?”
A resposta é imediata. As palavras saem como um choro. “De verdade vimos de um funeral. Falado em toda a Jerusalém. Como é que não soubeste? Mataram Jesus de Nazaré. Era nosso amigo e mestre. Estávamos com ele, partilhávamos a sua paixão pela libertação de Israel e a sua esperança no futuro de Deus. Mataram-no, pregando-o numa cruz, com um processo que parecia estar cozinhado para o condenar”.
Uma pausa para respirar e voltar às últimas chamas daquela esperança que lhes tinha incendiado o coração.
“Só fazia o bem: curava os doentes, tratava bem os pobres, tinha uma palavra de conforto até com os pecadores. E vê lá que até ressuscitou mortos. De certeza que ouviste falar de Lázaro, aquele de Betânia. Jesus trouxe-o à vida, três dias após a sua morte. Infelizmente falava com excessivo à vontade de Deus e da lei. Queria muito bem aos pobres.
Mataram-no. Quem? De certeza que sabes... os romanos, mas com a cumplicidade dos nossos sacerdotes e doutores da lei...
Antes de morrer, prometera que voltaria a viver, também ele, como o seu amigo Lázaro. Mas já passaram três dias... e nada.”
O segundo acrescenta: “Nada... não é bem assim. Sabes, no nosso grupo tínhamos também algumas mulheres. Estavam connosco para servir Jesus. Algumas dizem ter visto Jesus ressuscitado. Ninguém acredita. São mulheres fanáticas... Imaginaram, cegas que estão pela dor e o amor.
Os chefes, Pedro e os outros, não viram nada.
Acabou. Também nós voltamos para casa”.
“Calma. Não tireis conclusões precipitadas”, toma a palavra o estranho companheiro de viagem. “Estais fazendo uma leitura incorrecta dos acontecimentos. Estais a acreditar somente no que vistes com os vossos olhos. Tenho pena de vós: sois um pouco cegos. Não sabeis ler os mais profundamente os acontecimentos!”
“Ajuda-nos... se é que consegues”. “Com muito gosto. Escutai”.
Passo a passo aproximavam-se do seu destino. Passo a passo, o companheiro de viagem ajudava-os a reler os acontecimentos. Cita passagens da escritura. Recorda profecias antigas e novas. Actualiza antigas recordações.
Nem mesmo no tempo em que estavam com Jesus, tinham vivido uma experiência tal. Estavam a ser projectados para o futuro. Quase que tinham esquecido o passado. O presente e os seus projectos eram mais importantes que o passado.
Agora, por outro lado, vêm o passado à luz do presente. As coisas maravilhosas que Deus fez pelo seu povo tornam-se uma espécie de nova leitura do presente. Mesmo a escuridão, a incerteza e a dor mudam de tonalidade. Brilham com algo que nunca tinham descoberto.
Olham-se. “Estranho... mas então não mataram a nossa esperança. Somente a apagaram. Tentaram apagá-la e caímos na armadilha. Sem passado o nosso presente torna-se desespero. Voltávamos para casa porque não tínhamos futuro. Porém... há uma esperança. Jesus tinha razão quando nos falava da semente que deve morrer para se tornar uma espiga”.
“Mataram-no... mas não venceram. Deus vence a morte. Estava tudo programado nos planos de Deus”.
De um modo espontâneo começaram a rezar salmos. Tinham um novo sabor. Nunca se tinham apercebido disso antes.
“E se voltássemos a Jerusalém?”. “Amanhã. Hoje já é tarde. Não podemos fazer este caminho de noite. É muito perigoso. Amanhã.”
Avistavam-se as primeiras casas de Emaús. Tinham chegado ao seu destino: amanhã de manhã, ao nascer do sol, voltam a Jerusalém.
O companheiro de viagem faz que os saúda para pôr-se a caminho. “Continuas a tua viagem? A esta hora?”. Insistem: “Fica connosco. A nossa casa tem lugar também para ti, sem problemas. Vá lá... descansa”.
Estavam resignados a voltar à vida de antes. Tinham já colocado os remos na barca, sem coragem e desiludidos. Mas a experiência de Jesus tinha-os marcado profundamente. Respiravam a exigência da hospitalidade, a verdadeira hospitalidade. As suas não eram palavras de circunstância. Vinham do coração. “Fica connosco. És nosso hóspede”.
O misterioso viajante pára. Resiste, talvez para experimentar a autenticidade daquele convite. Depois pára. Aceita o acto de hospitalidade.
Põem-se à mesa.
A certa altura... se lhe abrem os olhos.
Jesus caminhou com eles. Rezou com eles, ajudando-os a reler os acontecimentos do mistério que traziam em si. Ajudou-os a rezar contemplando.
Agora a oração explode na celebração. Jesus toma o pão e o vinho. Abençoa-os e partilha.
Um grito: “É ele, o crucificado ressuscitou. Será possível que não nos tenhamos apercebido antes? Estávamos mesmo cegos, de dor e resignação”.
Já não está. Voltou silenciosamente tal como tinha vindo.
As poucas horas passadas com eles marcaram-nos. Guiou-os pela mão numa intensa experiência de oração, que os transformou profundamente.
A esperança e a paixão voltam aos seus corações. A oração e a celebração se abrem para a vida.
Agora já não é tarde para voltar a Jerusalém. Os perigos da viagem nocturna desapareceram. Partem, apressadamente: a experiência vivida tem de ser comunicada aos outros.

Voltam a Jerusalém, para gritar a todos: Jesus Ressuscitou, a sua aventura em favor da vida e esperança de todos... continua. Ou melhor: recomeça.

Tuesday, March 05, 2013

5 de março - Terça-feira da 3ª semana da quaresma - O sentido do jejum




Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo
(Sermo 43: PL 52,320.322)           (Séc.IV)

O que a oração pede, o jejum o alcança e a misericórdia o recebe
Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente.
O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas.
Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si.
Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia; deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza.
Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração, jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.
Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19).
Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos.
Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia.
Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

Reflexão pessoal

Qual o sentido do jejum se não é acompanhado pela oração e a misericórdia?

Sunday, March 03, 2013

4 de março - Segunda-feira da 3ª semana da quaresma - Gloriar-se no Senhor




Das Homilias de São Basílio Magno, bispo
(Hom. 20, De humilitate, 3: PG31,530-531)          (Séc.IV)

Quem se gloria, glorie-se no Senhor
Não se glorie o sábio de seu saber, não se glorie o forte de sua força, nem o rico de suas riquezas (Jr 9,22).
Qual é então o verdadeiro motivo de glória e em que consiste a grandeza do homem? Quem se gloria – diz a Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que eu sou do Senhor (Jr 9,23).
A nobreza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem em saber onde está a verdadeira grandeza, aderir a ela e buscar a glória que procede do Senhor da glória. Diz efetivamente o Apóstolo: Quem se gloria, glorie-se no Senhor. Estas palavras encontram-se na seguinte passagem: Cristo se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,31).
Por conseguinte, é perfeito e legítimo nos gloriarmos no Senhor quando, longe de orgulhar-nos de nossa própria justiça, reconhecemos que estamos realmente destituídos dela e só pela fé em Cristo somos justificados.
É nisto que Paulo se gloria: desprezando sua própria justiça, busca apenas a que vem por meio de Cristo, ou seja, a que se obtém pela fé e procede de Deus; para assim conhecer a Cristo, o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, configurando-se à sua morte, na esperança de alcançar a ressurreição dos mortos.
Aqui desaparece todo e qualquer orgulho. Nada te resta para que te possas gloriar, ó homem, pois tua única glória e esperança está em fazeres morrer tudo que é teu e procurares a vida futura em Cristo. E como possuímos as primícias desta vida, já a iniciamos desde agora, uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus.
É certamente Deus quem realiza em nós tanto o querer como o fazer, conforme o seu desígnio benevolente (Fl 2,13). E é ainda Deus que pelo seu Espírito nos revela a sabedoria que, de antemão, destinou para nossa glória.
Deus nos concede força e resistência em nossos trabalhos. Tenho trabalhado mais do que os outros – diz também Paulo – não propriamente eu, mas a graça de Deus comigo (1Cor 15,10).
Deus nos livra dos perigos para além de toda esperança humana. Experimentamos, em nós mesmos, – diz ainda o Apóstolo – a angústia de estarmos condenados à morte. Assim, aprendemos a não confiar em nós mesmos, mas a confiar somente em Deus que ressuscita os mortos. Ele nos livrou, e continuará a livrar-nos, de um tão grande perigo de morte. Nele temos firme esperança de que nos livrará ainda, em outras ocasiões (2Cor 1,9-10).

Reflexão pessoal

Em que consiste a grandeza do homem?
Pergunta inquietante quando olhamos para o quadro do nosso mundo. É que algumas vezes podemos confundir a grandeza com o orgulho e com o poder…
A maior grandeza do homem advém-lhe de ser criatura, não uma ciratura como tantas outras mas criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso a verdadeira grandeza do homem está em Deus, seu criador. É ele, que na sua grandeza, nos criou plenos de diginidade, à sua imagem e semelhança.
Por isso, como nosa diz S. Paulo, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”.

Saturday, March 02, 2013

3 de março - 3º domingo da quaresma - À procura da água viva




Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract.15,10-12.16-17:CCL 36,154-156)   (Séc.V)

Veio uma mulher da Samaria para tirar água
Veio uma mulher. Esta mulher é figura da Igreja, ainda não justificada, mas já a caminho da justificação. É disso que iremos tratar.
A mulher veio sem saber o que ali a esperava; encontrou Jesus, e Jesus dirigiu-lhe a palavra.
Vejamos o fato e a razão por que veio uma mulher da Samaria para tirar água (Jo 4,7). Os samaritanos não pertenciam ao povo judeu; não eram do povo escolhido. Faz parte do simbolismo da narração que esta mulher, figura da Igreja, tenha vindo de um povo estrangeiro; porque a Igreja viria dos pagãos, dos que não pertenciam à raça judaica.
Ouçamos, portanto, a nós mesmos nas palavras desta mulher, reconheçamo-nos nela e nela demos graças a Deus por nós. Ela era uma figura, não a realidade; começou por ser figura, e tornou-se realidade. Pois acreditou naquele que queria torná-la uma figura de nós mesmos. Veio para tirar água. Viera simplesmente para tirar água, como costumam fazer os homens e as mulheres.
Jesus lhe disse: “Dá-me de beber”. Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos.
A mulher samaritana disse então a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato os judeus não se dão com os samaritanos (Jo 4,7-9.)
Estais vendo que são estrangeiros. Os judeus de modo algum se serviam dos cântaros dos samaritanos. Como a mulher trazia consigo um cântaro para tirar água, admirou-se que um judeu lhe pedisse de beber, pois os judeus não costumavam fazer isso. Mas aquele que pedia de beber tinha sede da fé daquela mulher.
Escuta agora quem pede de beber. Respondeu-lhe Jesus? “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva (Jo 4,10).
Pede de beber e promete dar de beber. Apresenta-se como necessitado que espera receber, mas possui em abundância para saciar os outros. Se tu conhecesses o dom de Deus, diz ele. O dom de Deus é o Espírito Santo. Jesus fala ainda veladamente à mulher, mas pouco a pouco entra em seu coração, e vai lhe ensinando. Que haverá de mais suave e bondoso que esta exortação? Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.
Que água lhe daria ele, senão aquela da qual está escrito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10). Pois como podem ter sede os que vêm saciar-se na abundância de vossa morada? (Sl 35,9).
O Senhor prometia à mulher um alimento forte, prometia saciá-la com o Espírito Santo. Mas ela ainda não compreendia. E, na sua incompreensão, que respondeu? Disse-lhe então a mulher: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la” (Jo 4,15). A necessidade a obrigava a trabalhar, mas sua fraqueza recusava o trabalho.
Se ao menos ela tivesse ouvido aquelas palavras: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos e eu vos darei descanso! (Mt 11,28). Jesus dizia-lhe tudo aquilo para que não se cansasse mais; ela, porém, ainda não compreendia.

Reflexão pessoal

Muitos há como a samaritana que procuram uma água que preencha a sua sede de vida, a sua sede de salvação. Jesus apresenta-se como aquele que é capaz de lhe dar essa mesma água que ela tanto anseia. Jesus entra em diálogo com esta mulher quebrando muitos costumes e preconceitos, só assim conseguiu se aproximar e desvendar a sede desta mulher.
Uma bela parábola para os nossos tempos atuais. Quantos e quantas “samaritanas” anseiam por uma água diferente mas muitas vezes, devido a preconceitos e medos, somos incapazes de nos aproximarmos. Esta é uma das missões da Igreja, de qualquer um dos cristãos que encontrou em Jesus a sua água viva. 

2 de março - Sábado da 2ª semana da quaresma - À procura de Deus




Do Tratado sobre a fuga do mundo, de Santo Ambrósio, bispo
(Cap.6,36; 7,44: 8,45;9,52:CSEL32,192.198-199.204)         (Séc.IV)

Busquemos a Deus, único bem verdadeiro
Onde está o coração do homem está também o seu tesouro; pois Deus não costuma negar o bem aos que lhe pedem.
Porque o Senhor é bom, e é bom sobretudo para os que nele esperam, unamo-nos a ele, permaneçamos com ele de toda a nossa alma, de todo o coração e de todas as forças, para vivermos na sua luz, vermos a sua glória e gozarmos da graça da felicidade eterna.
Elevemos nossos corações para esse bem, permaneçamos e vivamos unidos a ele, que está acima de tudo quanto possamos pensar ou imaginar; e concede a paz e a tranquilidade perpétuas, uma paz que ultrapassa toda a nossa compreensão e sentimento.
É esse o bem que tudo penetra; todos vivemos nele e dele dependemos; nada lhe é superior, porque é divino. Só Deus é bom e, portanto, o que é bom é divino e o que é divino é bom; por isso se diz no salmo: Vós abris a mão e todos se fartam de bens (Sl 103,28). É, com efeito, da bondade de Deus que nos vêm todos os bens, sem nenhuma mistura de mal.
Esses bens são os que a Escritura promete aos fiéis, dizendo: Comereis dos bens da terra (Is 1,19).
Nós morremos com Cristo e trazemos em nosso corpo a morte de Cristo, para que também a vida de Cristo se manifeste em nós. Portanto, já não é a nossa própria vida que vivemos, mas a vida de Cristo: vida de inocência, vida de castidade, vida de sinceridade e de todas as virtudes. Também ressuscitamos com Cristo; vivamos, pois, unidos a ele, subamos com ele, a fim de que a serpente não possa encontrar na terra o nosso calcanhar e feri-lo.
Fujamos daqui. Podes fugir com o espírito, embora permaneças com o corpo; podes ficar aqui e estar ao mesmo tempo junto do Senhor, se teu coração estiver unido a ele, se teus pensamentos se fixarem nele, se percorreres seus caminhos, guiado pela fé e não pelas aparências, se te refugiares junto dele – que é nosso refúgio e nossa força, como disse Davi: Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor, que eu não seja envergonhado para sempre (Sl 70,1).
Já que Deus é o nosso refúgio, e Deus está nos céus e no mais alto dos céus, é preciso fugir daqui para as alturas onde reina a paz, onde repousaremos de nossas fadigas, onde celebraremos o banquete do grande sábado, como disse Moisés: O repouso sabático da terra será para vós ocasião de festim (Lv 25,6). Descansar em Deus e contemplar as suas delícias é, na verdade, um banquete, cheio de alegria e felicidade.
Fujamos, como os cervos, para as fontes das águas. Que a nossa alma sinta a mesma sede de Davi. Qual é esta fonte? Escuta o que ele diz: Em vós está a fonte da vida (Sl 35,10).
Diga minha alma a esta fonte: Quando terei a alegria de ver a face de Deus? (Sl 41,3).
Porque a fonte é o próprio Deus.

Reflexão pessoal

A nossa vida é uma constante procura. Procura do bem, da felicidade. Quem senão Deus poderá preencher esta ânsia de felicidade?

Friday, March 01, 2013

1 de março - Sexta-feira da 2ª semana da quaresma - A Aliança do Senhor




Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,16,2-5:SCh100,564-572)  (Séc.II)

A aliança do Senhor
No Deuteronómio, Moisés disse o seguinte ao povo: O Senhor teu Deus firmou uma aliança no Horeb. Não foi com vossos pais que o Senhor firmou esta aliança, mas convosco (Dt 5,2-3).
Por que não firmou a aliança com seus pais? Porque a lei não foi feita para o justo (1Tm1,9).
Ora, seus pais eram justos; tinham o conteúdo do Decálogo gravado em seus corações e em suas almas, pois amavam a Deus que os criara e abstinham-se de toda injustiça para com o próximo. Não precisavam da advertência de uma lei escrita, porque tinham em si mesmos a justiça da Lei.
Mas, quando essa justiça e esse amor para com Deus caíram no esquecimento e se extinguiram no Egito, tornou-se necessário que Deus, em sua grande bondade para com os homens, se manifestasse de viva voz.
Com seu poder fez sair seu povo do Egito, para que o homem voltasse a ser discípulo e seguidor de Deus; e castigou os desobedientes, a fim de que o povo não desprezasse o seu Criador.
Alimentou-o como maná, para que recebesse um alimento espiritual, conforme disse também Moisés no Deuteronómio: Ele te alimentou com o maná, que nem tu nem teus pais conheciam, para te mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca do Senhor (Dt 8,3).
Deu ainda o mandamento do amor de Deus, e ensinou a justiça para com o próximo, a fim de que o homem não fosse injusto nem indigno de Deus. Assim, por meio do Decálogo, Deus preparava o homem para a sua amizade e para a concórdia com o próximo. Era o homem que tirava proveito de tudo isso, uma vez que Deus não tinha nenhuma necessidade do homem.
Efetivamente, tudo isso contribuía para a glória do homem, dando o que lhe faltava, isto é, a amizade de Deus. Porém, isto nada acrescentava a Deus, pois ele não tinha necessidade do amor do homem.
O homem é que precisava da glória de Deus, a qual de modo algum poderia obter senão servindo a Deus. Por isso, Moisés lhe disse de novo: Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes, amando ao Senhor teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele – pois é a tua vida e prolonga os teus dias (Dt 30,19-20).
A fim de preparar o homem para esta vida, o Senhor proclamou por si mesmo as palavras do Decálogo, para todos sem exceção; por isso elas não foram abolidas por ocasião da sua vinda segundo a carne, mas permanecem em vigor entre nós, desenvolvidas e amplificadas.
Quanto aos preceitos próprios da servidão, Deus prescreveu-os separadamente ao povo, por intermédio de Moisés, adaptados à sua educação e formação, conforme disse o próprio Moisés: Naquele tempo, vos ensinei leis e decretos conforme o Senhor Deus me ordenou (cf. Dt 4,5).
Por isso, os preceitos, que implicavam a servidão e tinham o caráter de sinais, foram abolidos pelo Senhor na Nova Aliança da liberdade. Mas os preceitos naturais, que convêm a homens livres e são comuns a todos, foram completados e aperfeiçoados, concedendo generosamente aos homens o dom de conhecer a Deus como Pai adotivo, amá-lo de todo o coração e seguir seu Verbo sem se desviarem.

Reflexão pessoal

Deus acompanhou ao longo da história o caminho do Povo de Deus e firmou connosco uma Aliança através do Decálogo.
Somos este povo da Aliança que, em cada dia e a cada passo, procura corresponder ao grande amor que Ele nutre por nós. Esse amor, manifestado de uma forma excelente e perfeita, quando nos envia o seu próprio Filho, firmando connosco a Nova Aliança da liberdade, pela qual fomos constituídos seus filhos adoptivos.

Thursday, February 28, 2013

28 de fevereiro - Quinta-feira da 2ª semana da quaresma - O verdadeiro temor do Senhor


Dos Tratados sobre os Salmos, de Santo Hilário, bispo
(Ps 127,1-3:CSEL 24,628-630) (Séc.IV)

O verdadeiro temor do Senhor
Feliz és tu se temes o Senhor e trilhas seus caminhos (Sl 127,1). Todas as vezes que na Escritura se fala do temor do Senhor, nunca se fala isoladamente, como se ele bastasse para a perfeição da nossa fé; mas vem sempre acompanhado de muitas outras virtudes que nos ajudam a compreender sua natureza e perfeição. Assim aprendemos desta palavra que disse Salomão no livro dos Provérbios: Se suplicares a inteligência e pedires em voz alta a prudência; se andares à sua procura como ao dinheiro, e te lançares no seu encalço como a um tesouro, então compreenderás o temor do Senhor (Pr 2,3-5).
Vemos assim quantos degraus é necessário subir para chegar ao temor do Senhor.
Em primeiro lugar, devemos suplicar a inteligência, pedir a prudência, procurá-la como ao dinheiro e nos lançarmos ao seu encalço como a um tesouro. Então chegaremos a compreender o temor do Senhor.
Porque o temor, na opinião comum dos homens, tem outro sentido. É a perturbação que experimenta a fraqueza humana quando receia sofrer o que não quer que lhe aconteça. Este género de temor manifesta-se em nós pelo remorso do pecado, pela autoridade do mais
poderoso ou a violência do mais forte, por alguma doença, pelo encontro com um animal feroz
e pela ameaça de qualquer mal.
Esse temor, por conseguinte, não precisa ser ensinado, porque deriva espontaneamente de nossa fraqueza natural. Não aprendemos o que se deve temer, mas são as próprias coisas temíveis que nos incutem o terror.
Pelo contrário, sobre o temor de Deus, assim está escrito: Meus filhos, vinde agora e escutai- me: vou ensinar-vos o temor do Senhor Deus (Sl 33,12). Portanto, se o temor do Senhor é ensinado, deve-se aprender. Não nasce do nosso receio natural, mas do cumprimento dos mandamentos, das obras de uma vida pura e do conhecimento da verdade.
Para nós, todo o temor do Senhor está contido no amor, e a caridade perfeita expulsa o temor. O nosso amor a Deus leva-nos a seguir os seus conselhos, a cumprir os seus mandamentos e a
confiar em suas promessas. Ouçamos o que diz a Escritura: E agora, Israel, o que é que o Senhor teu Deus te pede? Apenas que o temas e andes em seus caminhos; que ames e guardes os mandamentos do Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, para que sejas feliz (Dt 10,12-13).
Ora, os caminhos do Senhor são muitos, embora ele próprio seja o Caminho. Pois, ele chama-se a si mesmo caminho, e mostra a razão porque fala assim: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14,6).
Devemos, portanto, examinar e avaliar muitos caminhos, para encontrarmos, por entre os ensinamentos de muitos, o único caminho certo, o único que nos conduz à vida eterna. Há caminhos na Lei, caminhos nos profetas, caminhos nos evangelhos e nos apóstolos, caminhos
nas diversas obras dos mestres. Felizes os que andam por eles, movidos pelo temor do Senhor.

Wednesday, February 27, 2013

27 de fevereiro - Quarta-feira da 2ª semana da quaresma - Mediações para Deus




Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,14,2-3;15,1:SCh 100,542.548)        (Séc.II)

Através de figuras, Israel aprendia a temer a Deus e a perseverar em seu serviço
Desde o princípio Deus criou o homem para lhe comunicar seus dons; escolheu os patriarcas, para lhes dar a salvação; ia formando um povo, para ensinar os ignorantes a seguir a Deus; preparava os profetas, para acostumar os homens a serem morada do Espírito e a viverem em comunhão com Deus. Ele, que não precisava de nada, oferecia a comunhão aos que dele precisavam. Para os que lhe eram agradáveis, desenhava, qual um arquiteto, o edifício da salvação; aos que nada viam no Egito, ele mesmo servia de guia; aos que andavam errantes no deserto, dava uma lei perfeita; aos que entravam na terra prometida, concedia uma herança; enfim, para os que voltavam à casa do Pai, matava o vitelo gordo e dava a melhor roupa. Assim, de muitas maneiras, Deus ia preparando o género humano em vista da salvação futura.
Eis por que João diz no Apocalipse: Sua voz era como o fragor de muitas águas (Ap 1,15). Na verdade, são muitas as águas do Espírito de Deus, porque é muita a riqueza e grandeza do Pai.
E, passando através de todas elas, o Verbo concedia generosamente o seu auxílio a quantos lhe estavam submetidos, prescrevendo uma lei adaptada e adequada a cada criatura.
Deste modo, dava ao povo as leis relativas à construção do tabernáculo, à edificação do templo, à escolha dos levitas, aos sacrifícios e oblações, às purificações e a todo o restante do serviço do altar.
Deus não precisava de nada disso, pois é desde sempre rico de todos os bens, e contém em si mesmo a suavidade de todos os aromas e de todos os perfumes, mesmo antes de Moisés existir.
Mas educava um povo sempre inclinado a voltar aos ídolos, dispondo-o, através de muitas etapas, a perseverar no serviço de Deus. Por meio das coisas secundárias chamava-o às principais, isto é, pelas figuras à realidade, pelas temporais, às eternas, pelas carnais, às espirituais, pelas terenas, às celestes, tal como foi dito a Moisés: Farás tudo segundo o modelo das coisas que viste na montanha (Ex 25,40).
Durante quarenta dias, com efeito, Moisés aprendeu a guardar as palavras de Deus, os sinais celestes, as imagens espirituais e as figuras das coisas futuras. Paulo também disse: Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava – e esse rochedo era Cristo (1Cor 10,4). E acrescenta ainda, depois de ter falado dos acontecimentos referidos na Lei: Estas coisas lhes aconteciam em figura e foram escritas para nos admoestar e instruir, a nós que já chegamos ao fim dos tempos (1Cor 10,11).
Por meio dessas figuras, portanto, eles aprendiam a temer a Deus e a perseverar em seu serviço.
E assim a Lei era para eles, ao mesmo tempo, norma de vida e profecia das realidades futuras.

Reflexão pessoal

Ao longo da história, Deus se manifestou ao ser humano de muitas formas, através de acontecimentos e pessoas. Essas figuras são mediações que nos conduzem aquilo que é essencial: a nossa comunhão com Deus.
O tempo de quaresma apresenta-se como um tempo privilegiado de mediação para nos aproximarmos de Deus e reforçar a nossa fé.
Saibamos encontrar nos sacramentos, na oração pessoal e na leitura da Palavra de Deus, o caminho do nosso crescimento espiritual e de uma maior e mais perfeita comunhão com Deus.

26 de fevereiro - Terça-feira da 2ª semana da quaresma


Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo
(Ps 140,4-6:CCL 40,2028-2029)   (Séc.V)

A paixão de todo o corpo de Cristo
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora (Sl 140,1). Isto todos nós podemos dizer.
Não sou eu que digo, é o Cristo total que diz. Contudo, estas palavras foram ditas especialmente em nome do Corpo, porque, quando Cristo estava neste mundo, orou como homem; orou ao Pai em nome do Corpo; e enquanto orava, gotas de sangue caíram de todo o seu corpo. Assim está escrito no Evangelho: Jesus rezava com mais insistência e seu suor tornou-se como gotas de sangue (Lc 22,44). Que significa este derramamento de sangue de todo o seu corpo, senão a paixão dos mártires de toda a Igreja?
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora. Quando eu grito, escutai minha voz! (Sl
140,1). Julgavas ter acabado de vez o teu clamor ao dizer: eu clamo por vós. Clamaste, mas não julgues que já estejas em segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se a tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo continua até o fim dos tempos, não só devemos dizer: eu clamo por vós, socorrei-me sem demora; mas: Quando eu grito, escutai minha voz!
Minha oração suba a vós como incenso, e minhas mãos, como oferta da tarde (Sl 140,2).
Todo cristão sabe que esta expressão continua a ser atribuída à própria Cabeça. Porque, na
verdade, foi ao cair da tarde daquele dia, que o Senhor, voluntariamente, entregou na cruz sua
vida, para retomá-la em seguida. Também aqui estávamos representados. Com efeito, o que
estava suspenso na cruz foi o que ele assumiu da nossa natureza. Como seria possível que o Pai rejeitasse e abandonasse algum momento seu Filho Unigênito, sendo ambos um só Deus?
Contudo, cravando nossa frágil natureza na cruz, onde o nosso homem velho, como diz o
Apóstolo, foi crucificado com Cristo (Rm 6,6), clamou com a voz da nossa humanidade: Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,2).
Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salvadora, o holocausto agradável a Deus. Esse sacrifício vespertino, ele o
converteu, por sua ressurreição, em oferenda da manhã. Assim, a oração que se eleva, com toda pureza, de um coração fiel, é como o incenso que sobe do altar sagrado. Não há aroma mais agradável a Deus: possam todos os fiéis oferecê-lo ao Senhor.
Por isso, o nosso homem velho – são palavras do Apóstolo – foi crucificado com Cristo, para
que seja destruído o corpo do pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado (Rm 6,6).